Testemunho de uma vítima de MGF

“Sofri mutilação genital feminina aos dez anos. A minha defunta avó disse-me então que me iam levar perto do rio para executar uma espécie de cerimónia, e que depois me dariam muita comida. Como criança inocente que era, lá fui como uma ovelha para a matança.
Mal entrei no arbusto secreto, levaram-me para um quarto muito escuro e tiraram-me as roupas. Vendaram-me os olhos e despiram-me completamente. Depois, duas mulheres fortes levaram-me para o local onde seria a operação. Quatro mulheres com força obrigaram-me a deitar-me de costas, duas apertando-me uma perna cada uma. Outra mulher sentou-se sobre o meu peito para eu não mexer a parte de cima do meu corpo. Um bocado de tecido foi-me posto dentro da boca para eu não gritar. Depois raparam-me os pelos.
Quando começou a operação debati-me imenso. A dor era terrível e insuportável. Enquanto me debatia cortaram-me e perdi sangue. Todos os que fizeram parte da operação estavam meios bêbados. Outros estavam a dançar e a cantar, e ainda pior, estavam nus.
Fui mutilada com um canivete rombo. Depois da operação, ninguém me podia ajudar a andar. O que me puseram na ferida cheirava mal e doía. Estes foram momentos terríveis para mim. Cada vez que queria urinar, era forçada a estar em pé. A urina espalhava-se pela ferida e causava de novo a dor inicial. Às vezes tinha de forçar para não urinar, com medo da dor terrível. Não me anestesiaram durante a operação, nem me deram antibióticos contra infecções. Depois, tive uma hemorragia e fiquei anémica. A culpa foi atribuída à feitiçaria. Sofri durante muito tempo de infecções vaginais agudas.”


Hannah Koroma
(Fonte: www.aventurasedesventurasdeumamulher.blogspot.com)

Vídeo da MGF

Introdução

Este blogue surge no âmbito da disciplina de Antropologia da Saúde, leccionada no 1º ano do curso de licenciatura em Enfermagem na Escola Superior de Enfermagem do Porto, no ano lectivo de 2008/2009 e aborda o tema da Mutilação Genital Feminina (MGF). Com este nosso trabalho tentamos dar a conhecer todas as causas por trás desta prática e também as consequências que esta acarreta, assim como a sua localização geográfica e a sua definição consoante várias entidades.

A criação do blog tem como objectivo o de dar a conhecer este fenómeno e este trabalho a mais pessoas, fora da nossa comunidade escolar e o de facilitar o acesso a mais informação para quem está interessado no tema. Temos noção que este é um tema bastante polémico, no sentido de que várias pessoas não aceitam nem respeitam esta realidade, enquanto que outras são completamente a favor e por isso tentamos durante a realização do trabalho ser o mais imparcial possível.

Para finalizar daremos um parecer acerca da forma que pensamos que a MGF possa afectar a nossa vida profissional enquanto enfermeiras.

Conceito e Localização geográfica

(Fonte da imagem: www.ascoresdomundo.blogs.sapo.pt)


Segundo a OMS:

"A Mutilação Genital Feminina (ou excisão) engloba todas as intervenções cirúrgicas que consistem em remover total ou parcialmente os órgãos genitais externos da mulher ou causar-lhes outras lesões por razões culturais, religiosas ou não terapêuticas." (Fonte: www.africamania.com.pt/saude/mutilacao_genital_feminina.html)

A Mutilação Genital Feminina (MGF) é um ritual de iniciação e consiste na extracção do clítoris da mulher de forma a que esta não possa sentir prazer durante o acto sexual.
Abrange mulheres desde a infância até à gravidez. Existem vários tipos de mutilação e cada um deles tem uma determinada gravidade.
A MGF é praticada sobretudo em países africanos, tendo maior prevalência no Djibuti (90/98%), na Somália (99%), Eritreia (95%), entre outros.



(Fonte: aventurasedesventurasdeumamulher.blogspot.com/2007/12/mutilao-genital-feminina.html)

Tipos de MGF

A OMS e a UNICEF classificam os diferentes tipos de MGF em quatro tipos, sendo que ao contrário dos restantes, o quarto não tem classificação incluindo as práticas como os piercings, inserção de substâncias corrosivas ou ervas na vagina. Para este último tipo optamos por nos reger pelo livro “Saúde, doença e diversidade cultural” do Professor Wilson Abreu.



Tipo I

O clítoris é seguro entre o dedo polegar e indicador, puxado para fora e amputado com um corte de um objecto afiado. Os praticantes mais modernos poderão aplicar um ou dois pontos na zona do clítoris para parar a hemorragia.



Tipo II




O clítoris é amputado e os lábios menores são removidos total ou parcialmente, muitas vezes com um mesmo golpe. O sangue é estancado com ligaduras ou com alguns pontos, que podem ou não cobrir parte da abertura vaginal.




Tipo III




É a forma mais extrema e consiste na remoção do clítoris e lábios menores, juntamente com a superfície interior dos lábios maiores. Os lábios maiores são unidos através de pontos ou espinhos/picos e as pernas são atadas durante 2 a 6 semanas. É deixada uma pequena abertura para permitir a passagem de urina e sangue menstrual (tem normalmente 2-3 cm de diâmetro, mas pode chegar a ser tão pequena como a cabeça de um fósforo)."
(Fonte: Trabalho apresentado na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias no Curso de Pós-Graduação em Criminologia por licenciadas em Comunicação Social e Pós-graduadas em Criminologia)


Tipo IV




Corte da vagina realizado geralmente com recurso a um instrumento afiado; inclui ainda um conjunto de práticas não enquadradas nos tipos anteriores: a cauterização por queima do clítoris e do tecido envolvente; raspagem do tecido envolvente do orifício vaginal; introdução de substancias corrosivas ou ervas na vagina, para provocar sangramento ou com o propósito de a estreitar.”
(Fonte: Abreu, W., Saúde, doença e diversidade cultural, 2003, stória editores)

Causas da MGF

Sendo que a MGF é de facto um fenómeno doloroso e que transporta consigo um leque de consequências nefastas para as mulheres a quem é praticada, admitimos que surjam questões que inúmeras vezes se levantem a propósito desta realidade:

- Porque se pratica a MGF?

- Porque é que certas mulheres que foram mutiladas fazem o mesmo às suas filhas?

- Haverá alguma explicação “aceitável” para esta prática?


Pela leitura de trabalhos já realizados e documentos da Internet chegamos às ditas “causas” que justificam a prática da MGF. Focando-nos sobretudo no trabalho fornecido pelo professor Wilson, não só pelo facto de nos ter sido fornecido no decorrer de uma aula como também por nos parecer a fonte mais completa acerca das ditas causas.
Percebemos que as justificações conduzem a um motivo primordial, a cultura. É ela que está na base explicativa da prática de MGF, ainda que existam vários motivos e justificações que apesar de distintos são explicativos da causalidade da MGF.

Algumas razões que levam à prática da Mutilação Genital Feminina:

- Consideram o clítoris um órgão agressivo;

- Crença de que uma mulher não mutilada não pode dar à luz;

- Motivos religiosos;

- Como é um acto de iniciação e passagem para a idade adulta, é portanto natural que toda a mulher não só aceite o facto de ser mutilada como ela própria o queira ser;

- Motivos higiénicos e de saúde pois pensa-se que os órgãos femininos exteriores são “sujos”;

- O medo que as mulheres têm de serem colocadas de parte pela sociedade ou de serem julgadas caso não sejam mutiladas.


Depois de uma análise cuidada de todas estas causas podemos constatar que existe uma explicação cultural para que certas mulheres queiram a mutilação para elas próprias e para as suas filhas. O seu objectivo é sobretudo serem aceites na sociedade e a circuncisão é a “ponte” para esta aceitação.

(Fonte: Trabalho apresentado na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias no Curso de Pós-Graduação em Criminologia por licenciadas em Comunicação Social e Pós-graduadas em Criminologia)


Consequências da MGF

A mutilação genital feminina acarreta um conjunto de consequências que têm um grande impacto para a vida mulher. Estas consequências podem-se dividir em físicas e psicológicas e podem-se fazer sentir tanto na altura da prática como nos anos que se seguem. É frequente que durante esta prática ocorram complicações, principalmente no tipo III.

A gravidade destas vai depender destes factores:

· A extensão do corte;

· A habilidade do operador;

· A higiene dos instrumentos usados;

· A condição física da criança.

As consequências físicas da prática da MGF são, genericamente, as seguintes:

· Hemorragia abundante que poderá levar á morte;

· Retenção de urina;

· Lesões em órgãos vizinhos (uretra e recto);

· Infecções crónicas do tracto urinário;

· Sida (porque os instrumentos utilizados nas operações não são apropriados nem devidamente esterilizados);

· Infertilidade;

· Infecções no aparelho reprodutor devido a obstruções do fluxo menstrual;

· Dores severas durante as relações sexuais;

· Complicações durante o parto;

· Entre outras….

Relativamente às consequências psicológicas, a mulher mutilada pode sofrer uma série de traumas psicológicos que incluem:

· A ansiedade;

· O terror;

· A humilhação;

· A traição.



Todos estes sentimentos são agravados quando existe algum problema durante a execução da prática, pois a culpa recaí na suposta promiscuidade das raparigas.


O Parto


O parto é um dos aspectos preponderantes na vida da mulher vítima de MGF, pois geralmente durante o parto os obstetras são forçados a fazer um longo corte, devido à reduzida abertura na vagina, que se corre o risco de lesar o recto ou a uretra. Quando as mulheres não têm acesso a bons cuidados de saúde e o parto é feito em casa ou em hospitais com condições precárias estas lesões são frequentes.


As relações sexuais


A mutilação genital feminina pode tornar as relações sexuais da mulher muito dolorosa, sendo mesmo perigosa no caso da mulher sofrer um rasgão. Além da dor excruciante que a mulher sente, esta não tem qualquer prazer sexual.
(Fontes: Dra Halimatou Bourdanne in http://tilz.tearfund.org/Portugues/Passo+a+Passo+21-
e www.amnistia-internacional.pt)